sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Um Herói Improvável


“If more of us valued food and cheer and song above hoarded gold, it would be a merrier world.”
― J.R.R. Tolkien





Olá, pessoal! Há muito que não temos novidades por aqui, mas a justificativa é tão boa quanto justa. Desde o post sobre a última leitura, em abril deste ano, muita coisa mudou - para melhor - e isso me impediu de voltar. De fato, ao escrever aquele texto, já estava com a Gianna em meu ventre e agora nos preparamos para recebê-la em Janeiro de 2018. Junto com a gravidez, como era de se esperar, os enjoos ganharam espaço na minha rotina e era tão fortes que fiquei impedida até de continuar com as leituras deste ano. Aos poucos, entretanto, estamos voltando à programação normal. 


Hoje, dia 22 de setembro, celebramos o dia do Hobbit e, para marcar a volta nas postagens, achei por bem trazer um texto traduzido por mim sobre a heroicidade improvável deste personagem que é um dos que mais me marcaram nesta vida: Bilbo Baggins. O texto original, escrito por Thomas M. Doran, pode ser lido aqui. Bem, vamos lá!





Um Herói Improvável





Se quisermos falar de um herói literário, Bilbo Baggins não não ocuparia o topo da lista. Mesmo aqueles que escolhessem um hobbit como herói, estes rapidamente se voltariam para Frodo, ou talvez Sam Gamgee, e muitos devotos de "O Senhor dos Anéis" escolheriam Aragorn, Gandalf, Eowyn ou Faramir.


Atticus Finch, de Harper Lee, estaria em muitas listas, assim como Elizabeth Bennet de Jane Austen. Aqueles que procuram por um herói que precisa de redenção poderiam optar por Sydney Carton ou o 'anjinho' de Raymond Chandler, Phillip Marlowe. No gênero cinema, que tal Luke Skywalker ou a Sra. Miniver? E no reino do herói não-humano, talvez a aranha Charlotte de E. B White ou Hazel, o Coelho de Richard Adams? 


Eu proponho Bilbo como um herói mais digno.


Muitos diriam que Bilbo é um herói 'OK', mas podemos fazer melhor. Bilbo é falho, e muitas de suas falhas persistem ao longo de sua vida. Ele pode ser mesquinho e petulante. Ele ficou sob a influência do anel de Sauron por muitos anos, embora não tenha sido consumido por ele. Além das falhas de Bilbo, quem gostaria de um herói cômico e de pé grande?

Não obstante, Bilbo é um herói. Ele tira a pedra Arken do rei Thorin quando percebe que ela o colocará em grande perigo, porque julga ser algo necessário a se fazer, e há muitos outros exemplos em "O Hobbit", o resgate dos anões do ninho das aranhas está entre eles.


Ele é generoso. Ele doa livre e frequentemente, apesar de precisas de um empurrãozinho de Gandalf para deixar o anel: "Estou velho, Gandalf. Posso não parecer velho, mas estou começando a sentir em meu coração. Sinto-me minguado...como que sobrecarregado, como manteiga espalhada num pedaço de pão muito grande."


Ainda assim, depois de guardar o anel por sessenta anos, ele faz algo que o Numenoriano Isildur, Sméagol, e mesmo Frodo não foram capazes. Ele fez algo que Gandalf, Aragorn, e Galadriel estão convencidos de que não poderiam fazer.

Ele é responsável. Apesar de os leitores enxergarem Bilbo no seu contexto de aventuras com os anões e a Guerra do Anel, ele passa a maior parte de sua vida fazendo aquilo que é natural aos hobbits.


Ele é aventureiro, algo que vai contra a natureza de um hobbit, o "Baggins louco" na visão de Rory Brandybuck e muitos outros hobbits. Bilbo força a si mesmo a sair de sua zona de conforto. Ele decide se juntar aos anões depois do jantar barulhento e depois de eles terem deixado o Bolsão, quando a decisão mais fácil e natural seria viver bem e sozinho.  


Ele é criativo: escritor, cantor, e poeta, e ele é muito interessado em sagas heróicas e trágicas de elfos e homens. 


Ele vive de forma simples e sem ostentação, em harmonia com a natureza, mesmo após tomar posse de grande fortuna. Ele não tenta controlar a natureza, como Sandyman e Sharky/Saruman, ou usar sua riqueza para se colocar acima dos outros hobbits. 

Ele é capaz de superar o tribalismo que habita em todos nós, fazendo amizade rapidamente com os anões, elfos, e homens, e escolhendo viver seus últimos anos com uma raça alienígena. Que qualidade notável em nosso mundo moderno onde o tribalismo em todas as suas manifestações é um flagelo diário?  

Por último mas não menos importante, apesar de Bilbo ter um sentimento forte e inabalável daquilo que é certo e errado, do bem e do mal, ele é capaz de simpatizar, mesmo com pena, com aqueles que sucumbem ao mal. Ele não deixa o orgulho destrutivo de Thorin destruir a amizade dos dois, pelo menos não de sua parte. Ele não usa as intenções assassinas de Gollum para destruir a criatura: "Bilbo quase deixou de respirar, e ficou paralisado. Ele estava desesperado. Ele deveria fugir desta horrível escuridão, enquanto tinha alguma força. Ele deveria esfaquear aquela coisa suja, tirar-lhe os olhos, matá-la. Era para matá-la. Não, não é uma luta justa. Ele agora era invisível. Gollum não tinha espada. Gollum na verdade não ameaçou matá-lo, nem havia tentado ainda. E ele estava miserável, sozinho, perdido. Uma compreensão súbita, uma pena misturada com o horror que surgiu no coração de Bilbo; um vislumbre de infinitos dias ocultos sem luz ou esperança de melhoria, pedra dura, peixe frio, esgueirando-se e sussurrando.


Bilbo é um herói improvável, algo que Tolkien sabia, e é a razão pela qual ele criou os hobbits, demonstrando que o heroismo pode ser encontrado onde menos se espera. Além do mais, Gandalf contextualiza o conceito de herói quando diz, "Você é uma pessoa muito boa, Sr. Baggins, e eu tenho muito apreço por você, mas você é apenas um rapaz muito pequeno em um mundo muito grande, afinal!" Ao que Bilbo responde, "Que bom!"

Que bom seria se todo herói tivesse uma visão tão modesta de heroísmo.






domingo, 2 de abril de 2017

Little Women - Louisa May Alcott






“Meg, minha querida, eu valorizo a habilidade feminina que mantém uma casa feliz mais que mãos brancas ou conquistas da moda.”

- Little Women



Só tenho uma coisa a dizer sobre as leituras de março: foram maravilhosas! Na realidade, pensei que o ritmo lento de leitura presente nos meses de janeiro e fevereiro seria a regra para o ano de 2017, mas este mês se mostrou diferente. Tive a oportunidade de ler três livros, dentre eles Little Women, traduzido como Mulherzinhas em Português, e escrito por Louisa May Alcott. É justamente sobre ele que o texto de hoje trata.

Antes de iniciar esta “análise”, é preciso dizer que, ao contrário de muitas pessoas, não pude ler o volume seguinte a esta história, intitulado Good Wives, livro publicado em 1869, ano seguinte à publicação de Little Women, em 1868. Sendo assim, àqueles que tenham lido ambos os volumes, não se surpreendam por não haver menção aos acontecimentos que se reservam à continuação desta história.

Estamos falando de uma romance que, segundo alguns, seria de inspiração autobiográfica e que conta a história de quatro irmãs, Meg, Jo, Beth, and Amy March, crescendo entre 1861 e 1865, sem a presença do pai que servia o país nos tempos da Guerra Civil Americana, porém sempre em presença da mãe, Marmee, cujo espírito alegre e servil molda e ajuda as irmãs a reconhecerem suas fraquezas e superá-las.

Todo o enredo versa sobre uma família que, após ter perdido boa parte do dinheiro que possuía, vivia simples e modestamente uma vida cheia de alegrias e momentos árduos, como a ausência do pai que estava na Guerra. A rotina da casa baseia-se na domesticidade de todos os seus membros, de modo que as irmãs, a mãe e a empregada exerçam diferentes atividades, o que contribui para a boa convivência entre elas. As irmãs mais velhas, Meg e Jo, ajudam na renda familiar, enquanto Beth se ocupa dos trabalhos domésticos e Amy atende à escola. Cada uma delas tem seu temperamento único, sendo Jo a mais encolerizada e Beth a de temperamento mais doce e servil e cuja vocação para atender a todos parece não requerer esforço extra.

A beleza nesta história reside, a meu ver, na transformação de todas as personagens em suas lutas para vencer suas fraquezas, temperamentos e vícios. Josephine, em particular, encantou meu coração e pareceu-me aquela que mais teve suas ações transformadas pela constância em lutar contra seu temperamento irascível. Confesso que em determinado momento da história as lágrimas foram inevitáveis de forma que não pude controlar meu choro dentro do carro, evento que assustou meu esposo, no que me viu assim, chorando e olhando para as páginas de um livro. Este momento está no capítulo 8 do original em Inglês quando, após quase perder a irmã Amy num acidente, Jo confessa que teme que seu temperamento colérico a leve a cometer algum ato irracional algum dia e que suas explosões de raiva a deixam sem saber como controlar a si mesma. Para mim, este momento representa tudo o que eu gostaria de ter ouvido quando, ao ficar irada, queria destruir tudo que via pela frente. A tradução do diálogo entre Jo e sua mãe foi feita por mim e pode não estar de acordo com as traduções oficiais.




“Não chore assim, mas lembre-se desse dia, e decida, com toda a sua alma, que você nunca conhecerá outro como este. Jo, querida, todos nós temos tentações, algumas maiores que as suas, e às vezes levamos uma vida inteira para dominá-las.” (Little Women, p.111) 

Tudo bem. Podem começar a dizer que sou chorona. Mas somente quem luta contra seu próprio humor pode imaginar o que significa enfrentar este momento-chave em nossas vidas em que nos perguntamos "Queixar-me-ei de meu humor irascível para o resto da vida ou hei de tentar superá-lo de uma vez por todas?" Afinal, chorar sobre o leite derramado nunca provou ser útil mesmo.

Outro ponto que me levou a refletir sobre o papel da mulher na família foi o valor atribuído a Marmee, a mãe das quatro adolescentes, por ocasião de sua viagem para cuidar do pai doente na Guerra. Como tudo fosse de mal a pior, mais do que saudosas, as meninas sentiram muito fortemente o peso dos trabalhos domésticos, até então desempenhados na maior parte do tempo pela mãe. É neste momento que questiono aqueles que julgam desnecessárias as figuras do pai e da mãe, como se tudo se tratasse meramente de um capricho adulto em que o direito à companhia de ambos pela criança não fosse importante, desde que seja em nome do “amor”. Quando já não podiam mais esconder a doença de Beth, Marmee anuncia sua volta ao lar e a alegria das irmãs quase não pôde ser contida, a despeito da irmã em estado convalescente. Todas, aos se encontrarem pelos corredores da casa, se abraçavam e sussurravam encorajadamente “A mamãe está chegando, querida! Mamãe está chegando!”. Pode haver algo mais lindo que os carinhos e afagos de uma mãe? Ou a firmeza de caráter bem como a segurança que um pai pode proporcionar aos seus filhos? Haverá argumentos que digam que os tempos eram outros e que alguns conceitos mudam. Conceitos mudam, sim, mas a essência das coisas, a Verdade, não.

Infelizmente, o choro e ranger de dentes de algumas feministas que leram a obra também estão na internet. Há críticas duríssimas especialmente ao segundo volume da obra. Confesso que depois de ver algumas espumando de raiva, fiquei ainda mais tentada a comprá-lo. Não importa que o trabalho doméstico na obra seja para as personagens o meio pelo qual as irmãs se tornaram pessoas melhores. Importa ‘desconstruir’ – sem colocar nada no lugar, claro – e ‘problematizar’ tudo.

Resta saber se eu apreciei a leitura, mas o textão acima é suficiente para provar que sim, amei a leitura e espero poder saber como continua a história. Em resumo, esta é uma história que contraria toda a sociedade moderna que está pautada na idéia de que viver bem é o mesmo que ganhar mais.

E você? Já leu o livro? Qual personagem fez com que parecesse que estivesse a olhar no espelho?

segunda-feira, 13 de março de 2017

Great Expectations




“Suffering has been stronger than all other teaching, and has taught me to understand what your heart used to be. I have been bent and broken, but - I hope - into a better shape.”
― Great Expectations

Ler os clássicos tem me deixado numa espécie de êxtase quase sempiterno. É claro que não poderia ser diferente com Great Expectations. Demorei mais de dois meses para concluir essa leitura e fiquei muitas vezes dividida entre esta e outras obras literárias e leituras espirituais.
Com a primeira edição em 1861, esta obra com a qual me deleitei por tão longo período, tem como pano de fundo a formosa e elegante era Vitoriana. Não há nada mais prazeroso para mim do que me imaginar vivendo nesta que foi uma das épocas mais galantes.
Philip Pirrip, ou simplesmente Pip, foi um garoto órfão nutrido pela irmã e o cunhado e que, após alguns anos vivendo em uma das muitas famílias pobres da sociedade Inglesa, recebe uma alta quantia em dinheiro para, sem nenhum esforço, tornar-se um aristocrata. A trama, de modo geral, está desenvolvida com base no mistério da identidade de seu benfeitor - que mais tarde se mostrará surpreendente por se tratar de um antigo condenado da justiça a quem Pip ajudou quando ainda era uma criança -  bem como sua paixão  por Estella, a filha adotiva de Miss Havisham, cuja vida se resumiu a educar a pobre menina para quebrar os corações dos homens como uma forma de vingança a Copeyson, o homem que a abandonou no altar anos antes.
Após conhecer sua amada por ocasião das visitas que fazia à casa de Ms. Havisham, Pip decide que o grande obstáculo para que Estella o tenha em alta conta é a sua posição social que não o permite estar à altura dela. Deste modo, o garoto decide que, para conquistá-la bem como ser reconhecido, deverá tornar-se alguém com alguma fortuna.
O caminho trilhado por Pip nesta jornada de pecado e redenção foi uma das mais belas impressões que tive. Não somente ele amadurece de modo a perceber que fortuna alguma poderia fazê-lo feliz, como também tem a oportunidade de expiar suas culpas com relação ao esposo de sua irmã, Joe, pelo tempo em que dele se manteve insulado por vergonha de sua baixa condição social.
Outra experiência maravilhosa que pude viver com este livro foi o fato de aprender como o amor não se nos apresenta como um sentimento mas como decisão. Sim, Pip, ainda que amasse Estella, porta-se como um verdadeiro e nobre cavalheiro e deixa-a partir, se bem que seu coração esteja em pedaços. Além disso, podemos notar como um coração amargurado e vingativo de pessoas como Ms. Havisham pode levar à perdição aqueles que o cercam. Em outras palavras, esses sentimentos têm poder destrutivo que se estendem para além de quem os sente e podem, como se nota em Estella, transformar a alma mais pura naquilo que há de mais sórdido.
Para além das considerações acerca da história mesma, uma pequena curiosidade que só me foi revelada porque quis saber mais a respeito do livro é o fato de existirem dois finais escritos por Dickens. O primeiro, como sugere o tom da obra, não foi feliz como alguns românticos leitores da época gostariam. O segundo, ao contrário, sugere que Pip e Estella teriam uma chance de finalmente unirem-se um ao outro. A decisão de mudar o final original partiu, dentre outras motivos, dos comentários dos leitores que esperavam algo óbvio como o típico casal apaixonado unido depois de tantos obstáculos. Tendo recebido críticas a esse respeito, ele definiu que a união de Pip e Estella seria mais razoável.
Ainda neste sentido, as críticas parecem não chegar a qualquer conclusão: afinal, seria melhor um final condizente com o teor melancólico da obra ou algo surpreendente que fizesse com que todo o sofrimento vivido pelas personagens finalmente chegasse ao fim? Eu, particularmente, tenho o palpite de que um final condizente com o tema da narrativa seria mais ponderado. Entretanto, gostaria de saber o que pensam aqueles que já leram ou ainda terão a oportunidade de ler esta história.
Não poderia deixar de finalizar com uma recomendação alegre desta leitura que me transformou em dois meses. As razões para que Dickens esteja entre os maiores escritores de todos os tempos se devem, com certeza, à beleza de suas referências e aos temas profundamente humanos das grandes batalhas que todos nós já vivemos ou viveremos um dia.

Boa leitura a todos e não esqueçam de comentar as suas próprias impressões acerca desta obra.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Os Irmãos Karamázov: impressões de uma leitora inexperiente





“I love mankind, he said, "but I find to my amazement that the more I love mankind as a whole, the less I love man in particular.” 
― Fyodor Dostoyevsky, The Brothers Karamazov


Foram quase três meses de leitura dos dois volumes desta que é uma das obras mais importantes da Literatura mundial. A experiência inédita e repleta de interrupções (consegui terminar O Silmarillion, alguns livros devocionais e dei uma chance nova para A Eneida) foi, de longe, uma das mais enriquecedoras para mim enquanto leitora inexperiente. Digo inexperiente, porque, para ser sincera, jamais tinha ouvido falar de obras tão importantes quanto essa, tendo em vista o fato de que a minha formação em Letras, apesar de muito boa em alguns aspectos, definitivamente não colaborou para o meu gosto pela leitura dos grandes clássicos.

Não escrevo com a intenção de contar a história, apenas desejo partilhar algumas impressões superficiais no que tange ao desenvolvimento das personagens. Isto não significa, porém, que o enredo deva ser deixado de lado. De fato, para que aqueles que jamais leram tal obra, seria importante conhecer um pouco da narrativa.

Fiódor Dostoiévski escreveu este romance em 1879 e é considerado uma das mais importantes obras das literaturas russas e mundiais, ou, conforme afirmou Freud: "a maior obra da história". Diz-se que o célebre psicanalista considera esse romance, além de Édipo Rei e Hamlet, um importante livro a respeito do embate entre pai e filho em que trata do complexo de Édipo.

Nesta obra célebre e aclamada, a narração se caracteriza por ser muito pormenorizada a partir de uma testemunha dos acontecimentos ocorridos em uma cidade russa. Ao longo da narrativa, o narrador se desculpa diversas vezes por "não ter conhecimento de alguns detalhes" e por considerar seu herói alguém desprovido de fama ou de real importância. Trata-se da história de uma família repleta de confusões e desentendimentos. O patriarca da família, Fiódor Pavlovitch Karamázov, um devasso que ascendeu financeiramente por meio dos dotes de suas duas mulheres e de sua avareza, teve o primeiro filho, Dmitri Fiodorovitch Karamázov, que sobreviveu apenas porque fora criado pelo empregado, Miússov, parente de sua falecida mãe. Teve outros dois filhos com a segunda mulher: Ivan e Aliêksei Fiodorovitch Karamázov, que são criados também por um parente da segunda mulher. Enquanto Dmitri se destaca por ser irascível, Ivan se torna um intelectual que termina enlouquecido por sua própria inteligência. Por sua vez, Aliêksei segue a vocação religiosa e entra para o mosteiro. Após uma disputa financeira entre o pai e seu primogênito, a disputa por uma mulher, Gruchénka, levará ambos a atos que resultarão em uma tragédia.

A obra é divida em quatro partes que contêm, cada uma, três livros, sendo a última parte composta também de um epílogo. Todo o desenvolvimento da obra, como disse anteriormente, está baseado no enredo pormenorizado de como chegou a família à tragédia que levou um dos irmãos Karamázov a responder por ela. Nesse sentido, embora conjecturemos sua inocência, nossa atenção é capturada e mantida por desejar saber de uma vez quem cometera o crime de assassinato.

No que se refere à minha experiência com esta leitura, confesso que esta foi exaustiva e longa. Ademais, a tradução, apesar de não poder comparar com nenhuma outra brasileira, não me agradou muito. Recomendaram-me uma tradução Portuguesa que estou pensando seriamente em adquirir. Não obstante, preciso dizer que Dmitri é, de longe, meu personagem favorito. Via-me como em um espelho a cada atitude impulsiva e obstinada por parte dele. Não é que Aliêksei e Ivan fossem menos importantes, porém, minha reflexão acerca de meu próprio temperamento se deu com o primogênito de Fiódor.

Se eu recomendo a obra? Vivamente! Não somente posso incluí-la na lista dos dez livros que me fizeram uma pessoa melhor (isso será tópico de algum conteúdo do blog no futuro), mas também na lista daqueles livros que absolutamente ninguém pode passar pela vida sem ler.

Boa leitura!


segunda-feira, 18 de abril de 2016



“There is no happiness like that of being loved by your fellow creatures, and feeling that your presence is an addition to their comfort.” 
― Charlotte Brontë, Jane Eyre

Dou início a este texto ainda com as palavras de meu marido na minha memória: “Você não é deste mundo”. De fato, não posso crer que suas palavras tenham para ele o mesmo significado que tiveram para mim. Ora, para ele, esta foi uma expressão de surpresa ao me flagrar estudando mais um assunto pelo qual me interesso muito: histórias. No entanto, para mim, tais palavras ficaram gravadas em meu coração, de modo que me impeliram a escrever – depois de tanto tempo – sobre uma das mais belas histórias que pude ler nesta vida tão cheia de dissabores: Jane Eyre.

Charlotte Brontë, uma das mais talentosas escritoras Inglesas, cujo talento parece ter sido infundido também em suas irmãs, Emilly e Anne Brontë, nos presenteou com uma obra prima que, ouso apostar, não poder ser equiparada a nenhuma outra, no que se refere à categoria romance. O título original, Jane Eyre: An Autobiography, fez com que eu declinasse o convite à leitura por alguns dias, porém a curiosidade e o tempo ocioso das férias terminaram por me lançar ao desafio – E que desafio!

Jane Eyre é uma narrativa em primeira pessoa que se desenvolve a partir de sua infância vivida sob a tirania e abusos de sua tia e primos em Gateshead Hall, até a união com seu amado, Sr. Rochester.

Não é minha intenção dar detalhes deste maravilhoso romance, mas apenas abordar a temática da fidelidade aos princípios que, segundo minha leitura, foram claramente explorados na obra. Jane Eyre pode ser caracterizada como uma mulher forte que sobreviveu a todo o tipo de desventura que um ser humano poderia sofrer. Foi, no entanto, sua invulnerabilidade que me mais me atraiu na sua personalidade.

Após ter sido rechaçada da casa onde morava com a família do tio, Jane Eyre é enviada a um internato onde receberá toda a sua formação escolar, porém não sem sofrimentos, vexações e açoites. Sua vida sofre uma reviravolta quando, terminada sua formação obrigatória, é contratada como governanta em Thornfield Hall, onde conhece Rochester e por ele se enamora.

Após ser pedida em casamento, descobre o segredo terrível que não permitiria que essa união fosse consumada. E é precisamente neste ponto que gostaria de me debruçar. Não havia dúvidas de que o amor de ambos fosse verdadeiro, mas o caráter de Jane Eyre jamais a permitiria aceitar a proposta de Rochester de que ela fosse sua amásia. Ao ser questionada por ele dos motivos que a levavam a lhe negar esse pedido, visto que estava completamente abandonada no mundo, sem possibilidades – afinal, quem se importaria se sua honra fosse ferida? Não havia irmãos, pai ou mãe a quem pudesse atingir com tal decisão – ela responde:

"Eu me importo comigo mesma. Quanto mais solitária, mais sem amigos, mais determinada estou, mais respeitarei a mim mesma. Vou manter a lei dada por Deus; sancionada pelo homem. Vou me agarrar aos princípios recebidos por mim quando eu era sã, e não insana - como estou agora. Leis e princípios não são para os momentos em que não existe tentação: eles são para momentos como este, quando corpo e alma formam um motim contra o seu rigor; rigorosos são eles; inviolados eles serão. Se em minha liberdade enquanto indivíduo eu pudesse quebrá-las, qual seria o seu valor? Eles têm o seu valor – nisto eu sempre acreditei; e se eu não posso acreditar nisso agora, é porque eu estou louca - muito louca: com fogo nas veias, e meu coração batendo tão rápido que não consigo contar suas batidas. Opiniões preconcebidas, determinações precipitadas, são tudo o que tenho nesta hora: E delas eu não arredo pé.”

Após ler algumas análises deste livro, esbarrei em algumas que enxergavam na obra uma espécie de “pré-feminismo”, uma vez que o posicionamento de Jane frente a algumas questões sociais não estaria de acordo com a mentalidade da época. Na minha inexperiência e incapacidade de fazer uma análise profunda e coerente - este não é o propósito do blog - tive de discordar. Ora, a eloquência de Jane Eyre quando questionava determinados valores comuns à época, no meu ponto de vista, não passava de uma manifestação de sua condição enquanto ser humano, criatura e filha de Deus, a quem o respeito, o amor e a proteção lhes eram devidos. Minha leitura me leva a aceitar que, ao negar os apelos do sangue e da carne, nossa personagem principal não estava pensando, como algumas mulheres foram levadas a acreditar, em seus “direitos” aqui neste mundo, mas na vida eterna, no “outro mundo”, nos quais acreditava piamente.
Após fugir sorrateiramente de Thornfield, Jane é acolhida pela família Rivers, cujos membros ela descobrirá mais tarde serem seus primos. Mesmo tendo sido pedida em casamento por seu primo, St John - que fez a proposta não por amor, mas por obrigação - Jane, embora não houvesse qualquer impedimento moral que a prevenisse, não aceita, uma vez que jamais poderia amá-lo. Estranhamente, ela ouve a voz de seu amado chamando por seu nome e volta a Thornfield, onde descobre apenas as ruínas daquilo que outrora se tornara seu lar e motivo de sua alegria.

Como eu disse anteriormente, não tenho por missão expor os detalhes do enredo, mas – se é que tal façanha me é permitida – atrair a atenção de você, leitor, para que tenha a experiência de se deliciar com as linhas deste romance, assim como eu. De fato, não sei se este texto ajudará neste propósito, porém não creio que causará o efeito contrário. Deixo, portanto, que descubra por você mesmo como nossas personagens apaixonadas resolveram seus conflitos.

Jane Eyre é, de longe, uma das histórias mais encantadoras e geniais que já tive a oportunidade de ler. Há poucos dias terminei a leitura do “Morro dos Ventos Uivantes”, de Emilly Brontë. Pude concluir, antes mesmo de escrever este texto, que ambos podem ser considerados inauditos, contudo minha rasa experiência com esse tipo de enredo e com todas as limitações que isto implica, ainda insistirei, por anos a fio, que Jane Eyre será um clássico para mim. Não como outro qualquer, mas daqueles que, de acordo com Ítalo Calvino, ao serem relidos, “oferecem uma sensação de descoberta como na primeira leitura”.




quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Quanto mais, melhor: Paternidade num mundo anti-filhos.




O ano de 2016 teve início com muito trabalho por aqui e desde já peço desculpas pela demora em atualizar o blog. Como eu havia dito, ainda estou aprendendo a  lidar com esta ferramenta e gostaria de contar com a ajuda de vocês.

Bem, o nome do blog reflete bem a variedade de temas que serão tratados aqui e, por este motivo, gostaria de dar uma pausa no assunto Literatura para tratarmos de outro não menos importante: a Família. Esqueça essa onda moderna que tende a classificar qualquer coisa como família. Estamos falando do modelo de família Cristão que dá vida à nossa sociedade através da sua generosidade.

O texto a seguir foi traduzido por mim - apesar do amadorismo - e escrito por Sam Guzman para o site The Catholic Gentleman e pode ser encontrado originalmente aqui. Trata-se de uma reflexão acerca da paternidade - sim, é um assunto que diz respeito a todas as famílias, mas especialmente ao pai de família. Espero que apreciem a leitura e que possam contribuir com mais sugestões de assuntos a serem tratados, afinal, dedico meu tempo a estudar Todas as Coisas.



QUANTO MAIS, MELHOR: PATERNIDADE NUM MUNDO ANTI-FILHOS

“Você sabe o que causa isso?” “Nossa, vocês têm um bocado.” “Fecharam a fábrica, né?” “Vocês vão encher o planeta” “São todos seus?” “Você consegue bancar todos eles?”
Estas são apenas algumas das perguntas que você ouvirá de completos estranhos se você tiver mais filhos que a média nacional aprovada de 1.7. E isso não inclui aqueles olhares maldosos e risinhos na sua direção. Vocês já devem ter ouvido falar da postura corporal de homens que se sentam com as pernas abertas no transporte público ou gordofobia, considerados os últimos ultrajes na nossa cultura politicamente correta. Bem, hoje eu gostaria de adicionar um novo item a essa lista: filhofobia.
Perece espantoso que uma pessoa realmente queira ter mais de 2 filhos. Pressupõe-se que o terceiro certamente foi um acidente. Digo, é fato que filhos te deixam pobres, certo? Eles custam muito dinheiro, não custam? Além disso, eles são uma ameaça ao meio ambiente!! Basicamente, na mentalidade popular, filhos são o equivalente a uma doença sexualmente transmissível—e quem iria querer mais do que duas delas??

FILHOS SÃO O MÁXIMO
Esqueça o que a cultura diz. Filhos são o máximo. Não há nada que se compare a ter duas miniaturas de homens correndo até a porta gritando “Papai!” no momento em que eu entro em casa. Poucas coisas podem se comparar à felicidade de ter bracinhos em volta do meu pescoço, ou ouvi-los dizendo, “ Amo-te, papai”. Ou ver o seu garoto com o boné para trás imitando um jogador de beisebol. Ou lutando ferozmente com guerreiros de brinquedo.
É uma alegria poder ajudar aquele pequeno ser a descobrir o mundo—explorar, aprender, a maravilhar-se diante de quase tudo. É maravilhoso assisti-los exibindo um bigode de leite e dizer, “Eu tenho um bigode igual ao seu!”. Tem também as leituras antes de dormir, frases engraçadíssimas ditas com toda seriedade do mundo, construções de torres imensas com tijolos, vê-los juntar as mãozinhas em oração e ouvi-los dizer o quanto amam a Jesus e Maria. Acreditem, eu poderia dar muitos outros exemplos.
A paternidade é assustadora às vezes, sim, mas na maior parte do tempo, é maravilhosamente feliz. Há momentos em que me sinto cheio de gratidão por tudo isso.
É claro que há momentos de estresse, e frustração, e sacrifício também. Os lençóis molhados; a teimosia em comer comida, ainda que esteja perfeitamente boa; as fraldas cheias; as birras; as idas ao pronto socorro; despesas inesperadas; gripe e infecções de ouvido; gritos de guerra durante a consagração na Missa—você pode imaginar. E eu não tenho dúvidas de que na medida em que eles crescerem, as dificuldades só vão aumentar. Não há amor sem dor. É assim que as coisas funcionam num mundo caído. E como pais mais experientes se apressariam em me lembrar, eu estou apenas começando.

Flechas nas mãos de um guerreiro
Um dos Salmos que eu aprendi a amar é o 127. Ele dá grandes conselhos sobre como confiar a Deus os seus trabalhos e as bençãos que Ele te deu. Mas a minha parte favorita é o final, que diz que os filhos são um presente, não uma maldição:
“Sim, os filhos são a herança de Iahweh, é um salário o fruto do ventre! Como flechas nas mãos de um guerreiro são os filhos da juventude. Feliz o homem que encheu sua aljava com elas…”
Sacou? Aquele que tem muitos filhos é feliz. Nós acabamos de descobrir que o bebê número três está a caminho, e acredite, é verdade—eu não poderia estar mais feliz. Mal posso esperar para receber essa nova vida. Homens, filhos não são coisas pelas quais você deve se desculpar ou se envergonhar. Eles são presentes preciosos com os quais nos regozijamos. Eles são tão lindos e elegantes quanto flechas nas mãos de um hábil e poderoso guerreiro. Só é necessário apontá-los para o Céu.
Concluindo, não deixe que o mundo roube a alegria da paternidade. Ignore os haters*. Sim, você provavelmente teria uma casa maior ou um carro mais maneiro se não tivesse mais filhos. Mas quem se importa? Qual a vantagem de se ter uma casa vazia de risos e alegria? Além disso, um carro não retribuirá o amor que você deu a ele não importa o quanto seja legal dirigi-lo. Eu fico com uma casinha repleta de crianças e uma van enferrujada com várias cadeirinhas de bebês. Sério.
Homens, celebrem seus filhos. Tenham muitos deles. Amem, dediquem seu tempo e atenção a eles, rezem por eles, invistam —mas acima de tudo, valorizem seus filhos. Outras bênçãos passarão, mas os filhos são uma recompensa que durará para sempre.

*Haters - aqueles que são incapazes de se sentirem felizes pelo sucesso de alguém e por isso vivem de apontar seus defeitos.



sábado, 19 de dezembro de 2015

Um conto de Natal, de Charles Dickens: uma leitura obrigatória.




"Os clássicos não são um tratado sistemático de filosofia, mas nos ensinam, de modo mais acessível e artístico, relações muito importantes da alma humana, ajudam-nos a compreender melhor o que é o homem, o mecanismo real de sua psicologia, a estimar virtudes naturais, como a amizade, a honra, a coragem, assim como as consequências do pecado, etc. que são a base de todo o possível trabalho da graça em nós." (Sobre Macbeth, de Shakespeare, por Pe. Gustavo Camargo).



Na primeira postagem, fiz uma breve introdução dos motivos que me levaram à criação do blog. Vocês também devem se lembrar que fiz a promessa de postar algo sobre um conto que estava lendo e, como promessa é dívida, não poderia deixar de cumprir. Trata-se do livro Um conto de Natal, - umas das traduções para o Português - de Charles Dickens, que foi originalmente publicado em 19 de Dezembro de 1843. 

Dickens foi o mais popular romancista Inglês da era Vitoriana e ouso dizer que esse título é mais do que justo. O conto de que falo é mais uma prova disso e, para quem não se lembra do escritor, talvez os títulos David Copperfield e Oliver Twist sejam mais populares. 

Esse livro veio até mim por meio de um clube do leitura online do qual faço parte e esta é a minha segunda participação. O conto é dividido em cinco staves ou capítulos - embora o termo stave seja o equivalente à estrofe em um poema - e narra a história de Ebenezer Scrooge, um avarento que despreza o Natal. Ele tem seus negócios em Londres e conta com a ajuda de seu empregado, Bob Cratchit, pobre, pai de quatro filhos, dentre os eles, o pequeno Tim, que sofre de um problema nas pernas. Na véspera de Natal Scrooge recebe a visita de seu falecido empregado, Jacob Marley, morto há sete anos naquele mesmo dia. Ele diz a Scrooge que três espíritos o visitarão.

O primeiro, o Espírito dos Natais Passados, leva Scrooge a um lugar onde ele recorda sua adolescência e cujas lembranças mostram um tempo em que o Natal ainda era amado por ele. Ele se emociona ao relembrar alguns dos acontecimentos do início de sua vida e, após cobrir a cabeça do espírito - que emana luz - com um chapéu, e tendo o fantasma desaparecido, vê-se novamente em seu quarto.

O segundo espírito, o do Natal do Presente, mostra o Natal do tempo atual, como as humildes celebrações de Cratchit que, apesar de ser pobre, é feliz. Ele faz ainda uma premonição terrível sobre o pequeno Tim. Após mostrar essas visões, o espírito revela a imagem de duas crianças de faces horríveis, cujos nomes ele diz ser Ignorância e Miséria e roga que os homens tomem cuidado com elas.

Finalmente, o terceiro espírito, o dos Natais Futuros, mostra o futuro de Scrooge, sem amigos, e outras coisas terríveis que estão por vir, frutos de sua avareza e mal-humor. Scrooge se desespera e implora para que essas previsões possam ser alteradas.

Bem, é claro que, por se tratar de uma história de Natal, o final feliz não poderia deixar de existir, entretanto, gostaria de chamar a atenção para uma outra característica ainda mais importante: o tema. Um conto de Natal é, além de uma narrativa fantástica do ponto de vista literário, uma reflexão a respeito da generosidade, e aborda temas como transformação, arrependimento e redenção.

Se você ainda não começou a se preparar para o Natal, sugiro ardentemente que faça essa leitura e, claro, prepare seu coração para o nascimento do Homem que nos ensinou todas essas lições antes de qualquer escritor ou poeta: nosso Salvador e Redentor, Jesus Cristo.